14 julho 2011

Por que motoristas viram monstros no trânsito?


O analista de sistemas William Cruz, 37 anos, já recusou duas propostas de emprego porque teria que ir de carro. Não que ele não tenha habilitação. Mas, há cinco anos, não dirige a não ser em casos de extrema necessidade. A decisão foi tomada porque William percebeu que se transformava quando estava ao volante.

COMO MANTER A CALMA E EVITAR BRIGAS

“Cheguei a ser perseguido por um maluco com a arma para fora da janela e a perseguir alguns outros para me vingar de uma fechada”, diz o ex-motorista agressivo. “Dirigir me tirava do sério e me transformava em outra pessoa. Cheguei a ter ataques de fúria, aliviados com socos no volante e gritos de raiva com a janela fechada, por frustração de estar parado.”
Ele deixou o carro pela bike, e os sintomas passaram. “Dirigir em São Paulo é o caminho para a insanidade ou o infarto precoce”, afirma. “Quando comecei a usar a bicicleta na rua me curei disso, porque percebi o quanto as vidas fora do carro eram frágeis e o quanto aquele comportamento as colocava em risco.”
William não está sozinho e qualquer motorista nas grandes cidades pode comprovar isso – dentro ou fora de seu carro. Ao volante, perdemos a cabeça e fazemos coisas que jamais faríamos em juízo normal. De acordo com a Polícia Militar de São Paulo, 70 chamadas diárias são para resolver brigas de trânsito. Mas o que transforma cidadão em monstros ao volante?

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“A raiva vem frustração e falta de respeito pelos outros. É um estado emocional que vem como uma explosão na mente e no corpo”, diz Leon James, professor de psicologia da Universidade do Havaí que especializou-se em stress no trânsito. Ele explica que quanto mais um motorista fica remoendo um incidente no trânsito e pensando nisso, mais está predisposto a ter um ataque de fúria. “Eventos negativos no trânsito são o gatilho da sensação de raiva, que fazem o motorista ter a sensação de que a culpa é do outro, que o outro é sempre culpado por seu atraso ou erro”.
William Cruz adotou a bicicleta porque reconheceu que se transformava ao volante

Raiva no trânsito é doença
Pode parecer que é só o jeito mais “pavio curto” de algumas pessoas, ou que o trânsito é assim mesmo, mas chegar ao ponto de brigar com desconhecidos no trânsito pode ser uma doença grave. “A maioria dos indivíduos agressivos no trânsito é portador de transtorno explosivo intermitente (TEI), segundo estudos internacionais”, diz a psicóloga Maria Christina Armbrust Virginelli Lahr. “O ambiente é um desencadeador.” De acordo com ela, cerca de 6% da população mundial sofre do transtorno. “A relação do TEI e com o trânsito é estudada há mais de 60 anos, pelo risco de saúde pública.”
De acordo com a psicóloga, as pessoas não procuram tratamento porque acham que é normal. “Mas essa agressividade afeta a vida delas, pode trazer prejuízos pessoais, profissionais”, afirma Maria Christina. “O agressivo se sente vítima de injustiça, tem incapacidade mental de lidar com frustração e não suporta ser criticado. Nunca houve tantos estímulos para o TEI se manifestar”, afirma a psicóloga. Para piorar, a sensação de anonimato no trânsito favorece o sentimento de hostilidade pelo outro.
Para ela, existem pessoas que não poderiam sequer ter carta de habilitação. “A avaliação psicológica do candidato é falha. O psicotécnico por si só não consegue identificar quem é apto a enfrentar o trânsito”, afirma. De quebra, quem comete infrações e se mostra incapaz de se integrar socialmente com seu veículo no trânsito com outras pessoas não é suficientemente punido. “Não tem contenção para essas pessoas, que se tornam uma arma contra ela e contra os outros”, diz Maria Christina.

Foto: (Arquivo Pessoal)Ampliar
Priscila Moreno perdeu sua carteira em seis meses
Problemas de infra-estrutura
Mas o transtorno não acomete a todos que perdem a cabeça. Leon acredita que a direção agressiva é um mau hábito que tem cura. A raiva desproporcional que tira as pessoas do sério no trânsito é comum em grandes cidades e tem até uma expressão em inglês: “road rage”.
Diante de níveis alarmantes dessa doença social, São Paulo tem adotado medidas para minimizar caos no trânsito, como reduzir a velocidade das vias. Isso porque a forma como a cidade está organizada também faz diferença no gatilho da raiva: entre os fatores que Maria Christina elenca, está o mau estado de conservação das ruas e estradas, a falta de iluminação, a falta de controle dos agentes de trânsito, a negligência com os próprios erros, carros obstruindo os cruzamentos, a pressa. 
Há uma explicação antropológica também. “Ter uma infraestrutura funcional e limpa faz você dirigir melhor. É como entrar na casa de uma pessoa: se é asseada e organizada, você é conduzido ao comportamento educado”, afirma o antropólogo Roberto da Matta, autor de “Fé em Deus e Pé na Tábua”, sobre o comportamento do brasileiro no trânsito.
O antropólogo acha absurdo dados como as 70 brigas diárias registradas pela PM. “Isso nos diz que o espaço público brasileiro precisa ser politizado, no sentido de uma tomada de consciência para esses comportamentos absurdos”, afirma. “Somos alérgicos a igualdade. O sinal vale para todos, no cruzamento existe uma regra para dar passagem. Mas não somos educados para obedecer isso. No Brasil, desobediência é um sinal de inferioridade, quem obedecia era o escravo. Quem manda não obedece. Numa sociedade democrática, todos mandam e obedecem.”
Autocrítica
Essa sensação de ser justiceira no trânsito já fez parte da vida da designer Priscila Moreno, 28 anos. Ela acumulou tantos pontos que perdeu a carteira em seis meses. “Brigava muito, com todo mundo. Adorava ‘disciplinar’ os outros, impedindo ultrapassagens pela direita, por exemplo.” Ao mesmo tempo, abusava da velocidade quando não estava com o filho a bordo. Priscila bateu o carro da mãe três vezes e duas o do ex-marido. “Nunca feri ninguém por sorte”, diz. Priscila ainda é apaixonada por velocidade, mas trocou as quatro rodas por duas sem motor. Agora, ela policia os próprios comportamentos e não esquece que tem um filho para criar. “Comecei a fazer terapia também.”

Os especialistas são unânimes: falta olhar para o próprio comportamento. É como se a culpa fosse sempre do outro, e isso justificasse o comportamento agressivo. “Numa sociedade liberal e democrática, você trata o outro como gostaria de ser tratado”, afirma da Matta. Ele explica que por trás de frases como “mulher no volante, perigo constante”, ou “só podia ser um velho mesmo”, estão estereótipos que precisam ser discutidos e desmanchados. O brasileiro também tem uma relação enviesada com o espaço público, e não sabe se comportar com o coletivo. “É uma terra de ninguém onde existe uma disputa para hierarquizar”. Como é impossível saber quem está atrás do volante do lado, por via das dúvidas é melhor evitar a briga. 

Link original: Delas.ig.com.br

Bicicleta substituindo o ônibus escolar


É provável que ir à escola nunca tenha sido tão divertido e saudável! A empresa holandesa De Café Racer desenvolveu uma bicicleta cooperativatomando como base um ônibus escolar infantil, tornando a tarefa de ir à escola mais colaborativa. O veículo pode acomodar até dez crianças e um adulto e possui até um player de músicas.
Além disso, vem equipado com um motor elétrico para auxiliar as crianças no caso de uma subida. Se começar a chover, um telhado de lona é facilmente montado para garantir que as crianças cheguem secas à escola. O Café Racer é conhecido por desenvolver os famosos “bierfiets” na Holanda, que funcionam como uma espécie de bar móvel onde as pessoas pedalam enquanto estão sentadas bebendo, sendo guiadas por um motorista.
Link original: Green Style

Fórum Cidades, Bicicletas e o Futuro da Mobilidade


Veja como foi e o que foi dito no Fórum Cidades, Bicicletas e o Futuro da Mobilidade, ocorrido em 12 de julho, em São Paulo, com a presença do músico e escritor David Byrne, autor do livro Diários de Bicicleta e ex-vocalista da banda Talking Heads.

Bicicletário

No espaço de quatro ou cinco carros, quase uma centena de bicicletas. Foto: Carlos Alkmin


O auditório, com 1000 lugares, estava lotado e havia gente em pé na porta.
Mais de mil pessoas compareceram ao Sesc Pinheiros para ouvir um cicloativista. Quem diria. São Paulo começa a mudar e não tem mais volta.
Abaixo, os pontos principais de cada palestra, com os comentários do Vá de Bike.

David Byrne

O nome do artista certamente foi o maior chamariz do evento. O que um cara que fez tanto sucesso na música tem a dizer sobre bicicletas e mobilidade? É o que muita gente quis saber.
Byrne começou sua palestra mostrando algumas concepções artísticas equivocadas de como as cidades deveriam ser no futuro. Elas mostravam cidades sem pessoas, em que os seres humanos viviam confinados em grandes prédios ou torres, como grandes cupinzeiros. E mostrou uma concepção de cidade do futuro, apresentada pela General Motors muitas décadas atrás, em que as cidades eram compostas de torres para confinar pessoas e uma infinidade de pistas e viadutos para o tráfego de automóveis. A cidade dos sonhos – para a GM.
Os próximos slides mostraram muitas áreas “mortas” em cidades que adotaram a mobilidade por automóvel como ponto principal. Com o espaço público entregue aos carros, tanto por vias como por grandes áreas de estacionamento, as pessoas simplesmente desaparecem de muitas partes da cidade.
Em São Paulo mesmo temos muitos exemplos: praças cercadas por grades e esquecidas pelas pessoas, que só passam por ali de carro; áreas decadentes sob viadutos, como debaixo do “minhocão”, lugares inóspitos para as pessoas, como as calçadas estreitas, destruídas e inexistentes em muitos pontos nas marginais; pontes que impedem que as pessoas as transponham, para não afetar o fluxo motorizado.
Byrne ressaltou que São Paulo tem muita diversidade e esse é um ponto positivo, porque facilita as mudanças. Disse inclusive acreditar ser mais fácil mudar São Paulo que San Francisco (EUA) – e olha que SF também é uma cidade com muita diversidade cultural e étnica.
Mostrando um gráfico que mostrava a quantidade de acidentes com ciclistas em Nova York, ressaltou que quanto mais pessoas pedalando, menos acidentes acontecem. Já comentamos isso por aqui e não se trata de achismo de roqueiro: há um estudo que prova isso.
O músico e cicloativista encerrou dizendo que “se houver mais mulheres em bicicletas, os homens, certamente, as seguirão”. O comentário, apesar de divertir a platéia, foi percebido como verdadeiro.
A palestra não apresentou muitas novidades para os cicloativistas, que já conhecem de cor o que foi apresentado por Byrne. Mas mostrou que o cicloativismo brasileiro está alinhado com o que o cicloativista veio mostrar. E foi importante por fazer com que pessoas de fora do meio tenham prestado atenção ao discurso que fazemos por aqui há anos, sendo taxados de exagerados, revoltados, fora de sintonia com a realidade. Byrne, ao contrário, é cool e tendência.

Arturo Alcorta

Um dos cicloativistas com mais tempo de luta pela bicicleta no país, a palestra de Arturo Alcorta começou com muitas imagens de Nova York e de outras cidades no mundo, onde o espaço público foi recuperado pelas pessoas, com áreas para pedestres, ciclovias, ciclofaixas e rotas para bicicletas. Mostrou a malha cicloviária da cidade americana e ressaltou que “o problema de São Paulo é principalmente falta de projeto”.
Criticou a falta de reação da sociedade, citando alguns problemas fortes de São Paulo que não são discutidos pela sociedade, como por exemplo a tonelada de dinheiro enterrada na Nova Marginal, que nao resolveu problema nenhum e consumiu recursos que poderiam ter sido melhor aproveitados em outras áreas.
Por fim, criticou o princípio de vaia que ocorreu quando o Secretário de Transportes e Presidente da CET, Marcelo Branco, havia sido chamado à mesa. Não foi apenas falta de respeito, mas uma avaliação pobre do que acontecia ali naquela noite: o simples fato do responsável pelo trânsito na cidade participar pessoalmente de um fórum em que se discutia mobilidade por bicicleta já seria motivo de aplausos.
Seu antecessor estaria se lixando para o evento. Sua presença, mesmo que tivesse sido apenas para assistir, já seria bastante representativa. O que nos leva aos comentários sobre sua palestra.

Marcelo Branco

Branco começou dizendo que pretendia fazer uma exposição sobre a Ciclofaixa de Lazer, mas resolveu adaptar sua apresentação ao que estava sendo debatido.
O secretário falou de improviso e iniciou citando uma frase do arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl.  Seria o projeto Cidades para Pessoas começando a trazer resultados? 
Marcelo Branco discursou com a frase de Jan Gehl ao fundo
Em seu discurso, Marcelo Branco disse que “a falta de entendimento de que a cidade é para as pessoas é que levou à situacão atual”. Disse que a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo) é uma empresa que foi criada com uma cultura voltada ao veiculo individual, que foi feita para dar fluidez ao tráfego. Disse ainda que “o modelo de investir no transporte individual é um modelo falido no mundo inteiro” e que as grandes cidades que investiram nesse modelo estão todas hoje com problemas.
Ressaltou que ciclovias e ciclofaixas têm seu espaco, mas que “fundamentalmente temos que buscar o compartilhamento” e que não acredita que a solução seja criar vias segregadas na cidade toda. “A Ciclofaixa de Lazer tem o mérito de gerar esse exercício de compartilhar a via”. Informou que nesse fim de semana será inaugurada a rota do Brooklin, baseada em compartilhamento, projeto que ele quer “ampliar para outros bairros e para a cidade toda”. “Quebrar esse paradigma [do compartilhamento das vias] é fundamental”.
Ao contrário de seu antecessor, que acreditava que a fluidez é mais importante que a vida, Branco disse que “a priorização a pedestres pode eventualmente gerar uma lentidão, mas é uma opção que a cidade tem que fazer. A cidade precisa fazer uma opção pelas pessoas e nao pelos veículos”. Citou iniciativas como a diminuição da velocidade máxima das vias e a diminuição dos tempos entre as travessias para pedestres e disse que parte da dificuldade em fazer isso vem das reclamações que alguns setores da sociedade [acostumados e acomodados com a priorização historicamente dada ao automóvel] fazem a essas iniciativas, classificando-as sempre como indústria das multas. “Não tem indústria da multa”, afirmou Branco.
Seu discurso surpreendeu quem esperava um posicionamento mais tímido, ou mesmo críticas ao uso da bicicleta. Parabéns, secretário. Continue avançando.

Eduardo Vasconcellos

Falando com segurança, mostrando profundo conhecimento do que dizia e justificando tudo com números, Vasconcellos fez a palestra que foi a mais aplaudida do Fórum sem precisar de slides. Foi inclusive interrompido pelas palmas em dado momento, por ter impressionado a platéia com uma de suas frases.


Vasconcellos contou que um carro em movimento ocupa em média 50 m2 (varia com a velocidade), enquanto uma bicicleta opcupa em média 2 m2.
Com base nos números apresentados, conclui-se que a classe média que usa o automóvel usa 12 vezes mais espaco publico que as classes mais baixas. Portanto, construir vias é antidemocratico, pois prioriza-se o uso do espaço público por quem utiliza o automóvel em detrimento das classes sociais mais baixas.
Afirmou que o número de 7 milhões de carros é um mito, que temos 4 milhões no máximo, mas 600 mil param a cidade no final do dia. A esse comentário, damos aqui o link onde pode ser consultada a quantidade de veículos registrados na cidade – clique em frota de veículos por tipo. Note que nem todos nessa soma são de fato automóveis particulares, mas os carros são mais de 5 milhões (embora talvez nem todos estejam em uso). Quanto à quantidade necessária para parar a cidade, o número divulgado recentemente pela CET é de 456 mil. Esse número é em veículos, o que inclui ônibus, caminhões, motos, etc. Se considerarmos apenas os automóveis, teremos uma quantidade ainda menor.
Comentou ainda que “aqui o pedestre agradece o motorista que para na faixa” e que “esse é um dos maiores sinais da falta de civilidade”. Não deveríamos ter que agradecer, deveria ser algo comum.
Vasconcellos fez duas propostas para melhorar a mobilidade na cidade: “baixar a velocidade na cidade inteirinha, não é só nas avenidas: nas zonas residenciais, baixar para 30 ou 40 km/h” e “tirar automoveis das ruas”.
Palestra excelente.

Perguntas

A seguir, foram lidas algumas perguntas do público. Destacaram-se as respostas abaixo, que foram resumidas sem alterar as frases ditas.
Byrne: “Compartilhar é possível, os motoristas aprendem. Ciclovias são preferíveis, mas você não pode fazê-las na cidade toda. No restante, você tem que compartilhar”. Perfeito.
Branco: “Ciclofaixa de lazer foi desenhada para ser de lazer, não é a melhor rota para bicicletas. Para ser utilizada para transporte, precisa ter caracteristicas de transporte. Está sendo feito estudo para ver quais trechos são adequados para transporte”.
Branco: “É fundamental diminuir a velocidade. O número de acidentes cai e de mortes cai vertiginosamente. No Brooklin, a velocidade já vai ser regulamentada em 30km/h. Essa diminuicão da velocidade é fundamental”.
Eduardo Vasconcellos: “A sociedade foi motorizada como queriam as elites. Já perdemos o primeiro tempo! É hora de partir pro segundo.”

Texto e fonte: Vá de Bike