04 maio 2013

O selvagem da bicicleta na Revista Go Outside


Ninguém é páreo para o norte-americano Jay Petervary quando o assunto são as provas de bike mais undergrounds e desafiadoras do planeta – incluindo a Iditabike, uma competição no Alasca (no inverno!)que ele acaba de vencer

Por Mario Mele
 
DURÃO: Em Montana, ainda bem longe da linha de chegada, Jay pedala sua bike Salsa Fargo rumo ao novo recorde do Tour Divide 2012, nos EUA (FOTO: Mark Fisher)

PARA O NORTE-AMERICANO Jay Petervary, de 40 anos, pedalar sozinho por lugares inóspitos tem um segredo: foco. “Eu não gosto de distrações quando estou numa prova, por isso dispenso a companhia de qualquer pessoa. Ou melhor, minha mulher é a única com quem pedalo numa competição”, corrige a tempo. “Prefiro andar na frente, liderando o pelotão de longe, ou então ficar para trás admirando paisagem.”
Ultimamente a primeira opção tem sido a mais frequente. Jay é o atual recordista de duas corridas de bicicleta para poucos, de tão duras: o Tour Divide, um desafio de 4.418 quilômetros por estradas quase desertas entre o Canadá e o sul dos Estados Unidos, e o Iditabike, cujo desafio é atravessar 560 quilômetros no Alasca em pleno inverno. No Tour Divide, Jay também é dono do melhor tempo feito em uma bike tandem – em 2009, ele e a esposa, Tracey Petervary, dividiram a bike gêmea durante 18 dias, 13 horas e 50 minutos. O ponto em comum dessas provas é a autossuficiência. Como não há equipe de apoio envolvida, cada competidor é responsável por levar mantimentos e equipamentos que garantam sua sobrevivência.
Nascido em Victor, uma cidade de dois mil habitantes no estado de Idaho, no norte dos Estados Unidos, Jay já é uma lenda do ultraciclismo. Suas marcas são tão impressionantes quanto a de grandes vencedores de provas como a Race Across America (RAAM), a mais famosa competição de ciclismo endurance do planeta, que corta os Estados Unidos de oeste a leste. Mas os recordes de Jay continuam desconhecidos do grande público, e é provável que, daqui uns anos, ele se aposente com um reconhecimento bem menor do que teve o esloveno Jure Robič, pentacampeão da RAAM que morreu em 2010, depois de bater de frente com um carro enquanto treinava numa estrada no norte de seu país. 
 
FRIEZA: Jay feliz depois de de um longo e gelado pedal na Iditabike deste ano; abaixo,
gelo e neve durante o trajeto (Fotos: Michael Mccoy)


Em 2011, Jay decidiu pedalar os 4.800 quilômetros da RAAM totalmente por conta própria. A prova não permite que alguém participe sem apoio, e é comum os competidores serem acompanhados por trailers cheios de treinadores, nutricionistas e até professores de ioga. Mas Jay foi mesmo assim, percorrendo o país sem ninguém a seu lado, nem ao menos um mecânico para servir de espectador. Foi a primeira vez na história dessa prova, que existe desde 1982, que um atleta se atreveu a isso. “Às vezes não era muito agradável saber que eu estava sozinho no meio da rodovia”, recorda. Mas Jay encarou sua decisão até o fim, pois estava envolvido em uma forte campanha contra carros que ficam ligados em marcha lenta, especialmente no trânsito caótico das grandes cidades norte-americanas, poluindo o meio ambiente e gastando combustível à toa. Para ele, naquele momento, era mais importante um carro a menos na RAAM do que um ciclista a mais cheio de conforto. Foram 12 dias e 23 horas quase ininterruptos de pedal até a chegada, uma marca longe de ser impressionante comparada aos vencedores da prova (o suíço Reto Schoch, campeão de 2012, fez em quatro dias a menos). Mas Reto tinha uma van levando sua comida e equipe durante o percurso. Bem diferente de Jay, que ainda deu outra justificativa para ter ido sozinho. “Queria apenas fazer no meu estilo, sem ter de dividir as decisões com uma equipe.”
Além do ritmo forte e da alta quilometragem acumulada sem a ajuda de ninguém, Jay está acostumado com competições que, constantemente, colocam os participantes em situações-limite. “Sou underground mesmo”, define-se. “Por cerca de dez anos participei de incontáveis provas de corrida de aventura, e esse esporte me ensinou a ser eficiente em longas distâncias: aprendi a dormir pouco, a pedalar por muitas horas seguidas, a ir rápido e leve.”

EM JUNHO DE 2012, NO TOUR DIVIDE, a maior habilidade que Jay teve que por em prática foi mesmo a paciência. Ele não sabia que um pneu furado num fim de tarde chuvoso, quando cruzava o estado do Novo México, quase o colocaria em xeque-mate. Jay planejou chegar à pequena cidade de Pie Town no início daquela noite para aproveitar algumas horas de sono, mas teve de parar no meio do caminho. “Só quando precisei de uma câmara de ar é que me dei conta de que as duas que eu estava carregando estavam rasgadas.” Era difícil para alguém que tem vídeos publicados na internet sobre checagem de equipamentos, com milhares de visualizações e dezenas de comentários, acreditar naquilo. E olha que as dicas online de Jay são realmente preciosas. Para poupar peso, por exemplo, ele nunca leva barraca, apenas um bom saco de dormir. Até o site inglês BikeRadar, uns dos mais abrangentes sobre ciclismo, já o definiu como “expert” em fazer a mala e sair para o pedal. Porém lá estava ele na situação mais amadora de sua vida. “Tentei várias vezes remendar a câmara, mas a água impedia a cola de secar. O que mais me frustrava era pensar no vacilo estúpido que eu havia cometido.”
A chuva não deu trégua um minuto. Aquela noite foi longa para Jay, que chegou à sonhada Pie Town só às sete da manhã, empurrando a bicicleta. Para quem pretendia estabelecer o novo recorde da prova, era difícil desistir da competição sabendo que 90% do trajeto tinha sido feito com a perfeição de um estrategista. “Cheguei a pensar que tudo estava perdido, havia caras muito fortes pedalando naquele ano”, admite. “Só que, para mim, desafios imprevisíveis funcionam como motivações extras. Por isso imediatamente descartei abandonar a prova.” No final, até Jay se impressionou com o que havia feito: não só venceu o Tour Divide de 2012 como cravou a marca inédita de 15 dias, 16 horas e 4 minutos.
Em fevereiro de 2013, uma lesão no tornozelo ainda o deixava em dúvida sobre participar da Iditabike, uma insana competição no Alasca inspirada na tradicional corrida de trenó puxado por cachorros e conhecida como Iditarod. Ele se inscreveu somente duas semanas antes da prova. “Sabia dos riscos envolvidos, mas não perdi a confiança”, diz. “Estava pedalando todos os dias e fazendo exercícios para acelerar minha recuperação.” Grandes rivais, como os compatriotas Tim Berntson e Kevin Breitenbach, estavam escritos. Mas Jay já tinha colocado na cabeça que seria uma corrida contra ele mesmo. No fim das contas, foi ainda mais gratificante vencer os 560 quilômetros da Iditabike em 2 dias, 19 horas de 16 minutos, estraçalhando o recorde anterior em mais de nove horas.
Apesar de estar acostumado a pedalar em qualquer temperatura entre 30ºC negativos  e 40ºC positivos, Jay prefere o inverno. “No calor, seu corpo é muito exigido, além de você ter que carregar muita água. Quando se sabe o que está fazendo, o frio é mais confortável”, acredita. Em 2011, Jay foi frio e calculista para estabelecer o recorde também da versão estendida do Iditabike. Com sua mountain bike de pneus largos, ele tratorou 1.000 milhas (1.609 quilômetros) sobre a neve do Alasca em 17 dias e seis horas. 
 
TRATORISTA: Posando ao lado da "fatbike" para neve que o ajudou a quebrar os recordes da prova Iditabike

“A REGRA NÚMERO UM para ser um ciclista de endurance é ter atitude mental”, garante. “A cada minuto, eu tento ir além de alguma barreira, como desafiar o sono. Por isso me considero mais um ciclista estrategista do que um ciclista fisicamente forte.” Jay explica que seus resultados são consequência de um estilo de vida que significa quase dormir sobre a bicicleta. Todo dia, em Victor, ele pedala cerca de meia hora até a bike shop Fitzgerald’s, onde trabalha como bike fitter (ajustando a bike de acordo com o tamanho do ciclista). E, sempre que pode, explora novos lugares de bicicleta em seu país – só que, nesse caso, ele prefere ir com alguém. Ainda dá cursos para pequenos grupos sobre noções de acampamento e viagens autossuficientes de bicicleta. Por isso está sempre se atualizando sobre equipamentos e reciclando suas ideias sobre sobrevivência em lugares isolados. 

Se não soasse tão incoerente para os padrões do esporte, Jay orientaria seus alunos a nunca treinarem. Ele mesmo não se recorda de uma competição para a qual tenha se preparado fisicamente. Na verdade, prefere pensar que está ficando mais forte conforme a quilometragem aumenta. Sem seguir planilhas ou usar monitores cardíacos, Jay faz tudo do seu jeito. “Se me dou bem, é porque faço muito do que gosto. Não é o tipo de coisa que um atleta descobre da noite para o dia.” Para Jay, é uma filosofia que tem funcionado tanto para ganhar provas e estabelecer recordes quanto para ajudá-lo a descobrir quem realmente é.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2013)
Link: 
http://gooutside.uol.com.br/2159

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